Afastando Nuvens Sombrias
Sento-me no restaurante ainda vazio. São 11h30, final de manhã. Descanso os cotovelos na mesa e junto as mãos. Estou "andando" para posturas e regras sociais e sinto uma leve impaciência. Um olhar rápido para o buffet de saladas, parcialmente montado, já me informa que irão demorar para atender ao meu pedido.
Ultimamente, tenho me sentido sorumbático — diria, perigosamente reflexivo — e pouco afeito a amabilidades. Tive uma perda recente e, embora a pessoa em questão tenha vivido uma vida plena — faleceu aos 89 anos —, ainda que eu compreenda a morte como uma entrada em outra dimensão, fato é que filosofia nenhuma nos prepara para ver um ente querido sobre uma mesa. Mas esse tema da morte é secundário, já que nada é permanente; ele apenas traduz meu estado de espírito momentâneo.
Decido lançar luz sobre a situação, mudar o padrão de pensamentos, ajustar a postura, respirar corretamente e praticar a concentração, pois ainda não disponho da oração como um recurso. Esta, afinal, exige ser guiada pela emoção, devoção, sentimento, confiança e fé. Meu processo de desenvolvimento espiritual nesta vida segue pelo caminho da razão e da lógica, um percurso árido e solitário. Penso, relacionando a questão ao momento presente, o quanto mais fácil seria se esse caminho fosse pela fé: acreditar sem questionar, sentir-se parte de tudo o que é e sempre será, e obter a certeza de que todos os eventos que nos atingem estão em sincronia, com o objetivo único de nos fazer crescer. É necessário equilibrar as coisas, adotando um aprendizado que satisfaça tanto a mente quanto o coração, pois somente a lógica e a razão nos afastam do necessário amor que nos impulsiona para a devoção. Continuo o processo, decidindo que meu ponto de concentração será o ambiente ao meu redor.
Olho para a rua e me surpreendo com um dia lindo — temperatura amena, ensolarado, radiante, típico de primavera, com suas cores, viço, cheiros e promessas. Meus sentidos, agora, estão plenos. Levo esse conjunto de percepções para minha visão mental e avanço no processo de concentração. Meus olhos vagueiam pelo asfalto, pelos veículos em movimento, pelos jardins, pelas flores, pelos pássaros e pelas árvores. E, como não basta apenas visualizar o ambiente, mas também aceitar suas egréoras, emoções e pensamentos reais, passo a amar todas as coisas, todo o conjunto: as flores, as árvores, o céu, a terra, as pessoas — um amor universal e fraterno que, em contrapartida, me arrebata e me preenche. Percebo que, mesmo por alguns momentos, me conectei com a Mente Cósmica ou com meu Eu Superior, como se estivesse em um estado de contemplação.
Minha mente retorna ao restaurante, ainda vazio. Agora, minha disposição de espírito e minha energia vital estão revigoradas, e usufruo da plenitude, vibrando de forma semelhante. Houve um insight. No entanto, o que entendo como insights, outros podem ver como a mão de Deus ou contato com a alma, algo que só ocorre quando nossa mente não oferece obstáculos, ou seja, não está permanentemente inundada pelas informações do mundo e por preocupações com o ontem ou o amanhã. O amor ilumina e traz aceitação para todas as coisas. O que ocorreu, que classifico como uma breve lufada de amor divino afastando as nuvens sombrias que se avizinhavam, deve ser apenas uma amostra, um fragmento, uma face limitada do que é viver pleno de amor. Estar em conexão permanente com a Mente Cósmica é se fundir a ela e ser esse amor com tudo e com todos.
Roni Martins
Enviado por Roni Martins em 20/09/2024
Alterado em 17/03/2025